Conceitos e princípios fundamentais da e-Research

 

No âmbito da Unidade Curricular Metodologias de Investigação em Contextos Online, o Tema 1 foi dedicado aos conceitos e princípios fundamentais da E-Research. Foi inicialmente desenvolvido um trabalho individual, de pesquisa e leitura, seguido de um trabalho conjunto, de discussão e escrita coletiva do artigo "E-Research" para a Wikipédia lusófona. Concluindo-se agora com esta sistematização das aprendizagens realizadas e reflexão crítica das mesmas, bem como do meu desempenho e dos colegas na realização das tarefas.



O QUE É O E-RESEARCH?

A investigação é ato inerente ao Homem, que foi transposto para a ciência e que permite descobrir, testar, confirmar, refutar, refinar ideias ou resolver problemas. A comunicação dos resultados conduz a novos problemas e questões de interesse.

Com a desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, principalmente com o alargamento do acesso à internet, surge uma nova forma de investigar- e-research - com recursos a estas novas ferramentas, que facilitam e aprimoram o ato de investigação (Anderson e Kanuka, 2003). Resumindo, o e-research faz o uso das tecnologias de informação e comunicação para estender o conceito de investigação.

Repare-se que a terminologia apenas faz uso do prefixo “e” para aludir ao uso das TIC, dos meios eletrónicos, da rede digital disponível em qualquer momento e em qualquer lugar (Anderson e Kanuka, 2003), da mesma forma que tem sendo usado em termos como e-mail, e-commerce, e-learning. No entanto, e, por comparação ao termo e-learning, podemos assumir o “e” como referência a extended e não apenas a eletronic (Gomes, 2005).

Desta forma, e-research assume-se como uma investigação que vai muito mais além de uma investigação que recorre aos meios eletrónicos. Assume-se, então, como uma forma de agir, compreender e produzir conhecimento numa sociedade em rede, baseada em dados, que transforma esses dados em informações através de técnicas multidisciplinares, visando à comunicação, colaboração e internacionalização (Anderson e Kanuk, 2003).

Portanto, poderemos identificar várias modalidades no “e-Research”. Modalidades essas que não são exclusivas, da mesma forma que temos diferentes modalidades desportivas, como a natação, o ciclismo e corrida, mas também temos provas de triatlo que englobam as três modalidades. Markauskaite, Fitzgerald, Herrington e Wallace (2011) identificam quatro modalidades de e-research. São elas:

· e-Research como fonte de dados digitais uteis para a investigação

Atualmente existe um "dilúvio de dados" disponível online. Muitos desses dados relacionam-se com a educação, tais como registos administrativos relativos a informações pessoas sobre alunos, bem como sobre o seu desempenho, mas também informações sobre programas e cursos e outros elementos do sistema educacional, vestígios digitais de aprendizagem online, como contribuições de alunos e professores para discussões online e suas interações entre si e com os recursos digitais.

· e-Research como recurso às TIC para uma implementação aprimorada de métodos de investigação

As tecnologias digitais entraram nas práticas de investigação social de, pelo menos, três formas distintas:

a) As TIC disponibilizam um conjunto de novas ferramentas para apoiar e estender as abordagens tradicionais de investigação, incluindo técnicas quantitativas e qualitativas, que têm sido usadas nas ciências sociais, onde se inclui a educação. São exemplos disto os softwares de pesquisas online (Survey Monkey, Zoomerang), os softwares para análise estatística (SPSS, SAS, AMOS) e os softwares para análise de dados qualitativos (NVivo, Nudist, StudioCode). Para além disso, hoje em dia, várias técnicas de recolha de dados já são aplicadas com recurso às TIC, por exemplo entrevistas online e focus group realizadas. Estes softwares e ferramentas têm tornado a investigação cada vez mais económica e, até, mais acessível aos investigadores, além disso, simultaneamente, muitas destas ferramentas permitem a análise de dados de forma colaborativa e participativa, envolvendo grupos de pesquisadores, professores e até mesmo alunos.

b) A nova sociedade existente, Sociedade em Rede, que ‘co-abita’ um novo espaço, produzindo nova(s) cultura(s), mostra-se como um novo espaço de estudos. Assim, técnicas “tradicionais” de investigação nas ciências sociais, como etnografia e análise de interação, têm sido alargadas e adaptadas para estudar fenômenos sociais e de aprendizagem em espaços virtuais, dando origem a um conjunto de abordagens de pesquisa online, como etnografia virtual ou análise de comunicação mediada por computador.

c) Também, a par dos desenvolvimentos tecnológicos, foram criados novos métodos analíticos computacionais, com base em dados. Métodos esses que não seriam possíveis sem a velocidade do computador, bem como da visualização assistida por computador. Estes métodos conduzem a novos tipos de investigação acadêmica. Como consequência destes métodos e manipulação de grande quantidade de dados, temos constantemente a multiplicação desses mesmos datos, gerando-se o que chamamos de Big Data. A análise de Big Data (ou Big Data Analytics) é o processo de examinar grandes conjuntos de dados, de tipos variados, para revelar padrões invisíveis, correlações ocultas, tendências, preferências e outras informações úteis (Marjani et al, 2017).

Este poderá ser um dos aspetos mais práticos do uso do e-Research, isto é, a transformação dos dados, depositada massivamente na rede, em informação e, consequentemente, conhecimento.

“A key feature of scientific collaborations is that they are seen to require access to very large data collections, very large scale computing resources and high performance visualisations made available to individual scientists and institutions”, (Gupta, Müller-Birn, 2017).

Os métodos de investigação com recurso às TIC, revolucionaram a investigação não só no plano da eficiência como da eficácia. Assim, nesta “modalidade” e-Research pode ser percecionado como um conjunto de ferramentas que facilita a transição da pesquisa científica tradicional para a pesquisa em dados acumulados em dispositivos eletrónicos conectados através da rede global, que é o ciberespaço. Contudo, ao trabalhar os dados, através destas novas técnicas, conceitos como a multidisciplinaridade, a ética e a colaboração assumem papéis ainda mais importantes quando comparados com a pesquisa através dos meios tradicionais.

· e-Research como uma forma de pesquisa em rede

As TIC vieram ainda facilitar e incentivar, pela facilidade, a colaboração e o trabalho compartilhado em projetos de investigação conjuntos, distribuídos por contextos, tempo, dados, fontes de informação e peritos distintos, desenvolvendo-se assim uma outra modalidade de e-Research. Neste sentido, surgiram ainda os Ambientes Virtuais de Pesquisa (VRE) como uma infraestrutura integrada que reúne todas as outras possibilidades de e-Research, como recursos computacionais, instrumentos remotos, dados e ferramentas de comunicação. Um VRE procura ajudar investigadores, de todas as áreas e localizações, a trabalhar de forma colaborativa, gerindo uma gama cada vez mais complexa de tarefas envolvidas na realização de investigações, quer em pequena, quer em grande escala. Os VREs podem ser utilizados para todo o ciclo de produção do conhecimento ou para diferentes etapas do projeto de investigação (planeamento, análise, redação final dos artigos e publicação) e também podem suportar diferentes tipos de atividades colaborativas, como partilha de dados, acesso a ferramentas para a recolha ou análise de dados, análise colaborativa de dados, gestão de projetos, comunicação síncrona e assíncrona. Existem vários VREs criados para pesquisa numa área disciplinar específica (por exemplo, saúde, astronomia). Em educação, os VREs são percebidos como facilitadores importantes da investigação colaborativa de questões educacionais mais complexas, que requerem a integração de recursos de dados e esforço conjunto de pesquisa. Em suma, os VREs não são apenas coleções de recursos e ferramentas, mas também espaços intelectuais e culturais. Portanto, eles deverão ser criados e sustentados pelas comunidades que os usam, em vez de serem desenvolvidos por terceiros.

Para Shivam & Müller-Birn (2017), o trabalho colaborativo em investigação aumenta a qualidade da mesma, contribuindo assim, em grande escala, para o crescimento do conhecimento científico. Assim, e dado que muitos projetos de investigação incorporam vários investigadores ou equipas de investigadores distribuídas geograficamente, as facilidade de comunicação e cooperação disponibilizados na rede mostram-se cruciais (Anderson e Kanuka, 2003). Ainda, por outro lado, Sonnenwald (2007) considera que “collaborative scientific work has a better scope to provide an answer to solve the complex and time consuming scientific issues”.

· e-Research como forma de publicação, disseminação e pesquisa bibliográfica (recolha documental) digital

A aplicação das TIC na disseminação e procura de descobertas acadêmicas ou científicas é, atualmente, uma prática habitual em qualquer investigação. Por exemplo, a maioria dos periódicos e revistas académicas tradicionais (impressos) encontram-se acessíveis, em formato digital, em diferentes repositórios. De igual modo, cada vez mais existem livros de foro acadêmico e científico que também se encontram disponíveis em formato digital e acessíveis online.

Os mecanismos de busca e ferramentas para localizar referências citadas, quem cita um artigo e outras publicações “semanticamente” relacionadas, facilitam a descoberta, fácil e rápida, de fontes relevantes. Portanto, as tecnologias semânticas, que sustentam estes sistemas online, permitem encontrar fontes relevantes, aumentando os conhecimentos que podem ser localizados e incluídos num projeto de investigação. Apesar de o investigador poder sentir uma “sobrecarga de informação”, sem dúvida alguma que o percurso para se aceder a uma variedade de informações relevantes é cada vez mais facilitado. Da mesma forma que informações relevantes são possíveis de encontrar, o que não aconteceria no passado devido à dificuldade física de procurar em enormes bibliotecas, até distantes da nossa localização.

A aplicação de tecnologia para comunicar informações educacionais tornou-se um campo complexo e especializado. Alguns cientistas da informação têm até proposto a criação de uma nova subdisciplina de “informática educacional”, que abordaria sistematicamente novas informações e desafios na educação.



A investigação está a mudar drasticamente com a introdução destas novas tecnologias, recursos, estratégias…. Está a tornar-se mais multidisciplinar, mais colaborativa, mais global e mais dependente das capacidades oferecidas através de redes avançadas e de grande armazenamento de dados.

Numa socializada global e cada vez mais complexa, como a que vivemos atualmente, requer respostas e soluções cada vez mais coerentes, completas e credíveis, para as questões e desafios que enfrenta. Essas respostas e soluções mais completas só são possíveis pela análise das questões sob diferentes pontos de vista, de diferentes óticas. Ora a investigação multidisciplinar permitirá alcançar tal objetivo. Esta investigação interdisciplinar corresponde a um trabalho conjunto e articulado de profissionais/investigadores de várias áreas, trabalhando lado a lado, mantendo a sua essência, sem se misturarem. No final, os resultados funcionam como várias lentes que justapostas permitem ter uma perceção mais completa da questão, garantindo um resultado mais enriquecedor.

No entanto, como em qualquer investigação, por mais “tradicional” que seja, no e-Research também surgem questões éticas. É necessário manter presente que tudo o que se encontra presente na rede possui um autor, por tal, e à semelhança do que acontece nas investigações “tradicionais, a propriedade intelectual tem de ser respeitada, independentemente do local onde tal investigação decorre.

Recorde-se que, por um lado, o desabrochar do e-Research veio facilitar os processos investigativos, permitir conectar rapidamente e, em muitos casos, sincronamente investigadores, aceder a resultados investigativos disponíveis noutro local distante, facilitar a pesquisa de dados e bibliografia, etc… Mas, a facilidade do “Copy and Paste” veio, por outro lado, facilitar e, talvez, intensificar a prática de fraudes, de plágios, apesar de já existirem ferramentas que permitem detetar essas fraudes.

Neste sentido, algumas instituições exigem dos investigadores um compromisso ético, pelo que, a par ou antes das propostas de investigação, é solicitado uma proposta ética (Anderson e Kanuka, 2003) ou, então, uma declaração de integridade, aquando da conclusão e entrega do trabalho.

Ainda em relação à ética em investigação, levanta-se uma questão bastante complexa na utilização e disseminação de dados educacionais, pois na sua maioria são recolhidos e armazenados sem considerar que poderão ser integrados e (re)utilizados para outras finalidades diferentes das intenções iniciais e de uso imediato. Se por um lado, pode questionar-se se é eticamente correto utilizar esses dados, recolhidos inicialmente com outra finalidade. Por outro, há a consciência de que esses registos podem ser uma fonte de dados importante e relevante para a tomada de decisões educacionais e para a descoberta de conhecimentos adicionais na pesquisa em educação. Assim, a tensão entre transparência e acesso público aos registos educacionais oficiais, como resultados de testes nacionais, e o valor social das interpretações e decisões que esse acesso pode proporcionar, levanta questões éticas mais complexas, que à partida não se levantariam numa investigação tradicional.


Breve Conclusão relativa à atividade

As tarefas propostas me permitiram desmitificar uma ideia pré-concebida em relação ao e-Research e sistematizar todas as formas possíveis de e-Research. Considerando que há aspetos, principalmente éticos, que devem ser considerados e que se mostram muito atuais, mas que, por sua vez, também ainda existem em modalidade de investigação dita tradicional. Muitos desses aspetos éticos, apresentam-se apenas numa nova roupagem.




Referências


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