CIBERCULTURA -Reflexão sobre a visão de Pierre Lévy

Uma análise à palavra Cibercultura rapidamente nos leva a concluir que, na língua portuguesa, a palavra surge pela composição de duas palavras ciber + cultura. Ora o termo “ciber” remete-nos para a ideia de internet, então a cibercultura será a cultura adquirida, partilhada, construída com recurso à internet.

 

Será?

 

Vejamos o que diz o dicionário on-line Priberam:

ci·ber·cul·tu·ra
(ciber- + cultura)

nome feminino

Conjunto de aspectos e padrões culturais relacionados com a Internet e a comunicação em redes de computadores.

 

Parece que sim!

 

Mas o conceito tem sido abordado por vários autores, e, neste sentido, vamos analisar e refletir sobre a visão de Pierre Lévy, sociólogo francês, plasmada na sua obra Cibercultura, datada de 1997. O livro, originalmente em francês, Cyberculture, retrata a realidade de há 20 anos atrás, mas ainda hoje se mostra atual, sendo que se destaca por ser impulsionador da afirmação do conceito de ciberespaço e do neologismo cibercultura.

Será importante, antes de prosseguir, esclarecer sobre o que para Lévy são a cibercultura e ciberespaço. Assim, transcrevemos da obra (Lévy, 1999) algumas das suas afirmações que nos pareceram mais reveladoras.

 

A cibercultura

“expressa o surgimento de um novo universal, diferente das formas culturais que vieram antes dele no sentido que ele constrói sobre indeterminação de um sentido global qualquer.” (p. 15)

“especifica o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais) , de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (p.17)

 

O ciberespaço

“(que também chamarei de rede) é o novo meio de comunicação  que surge da interconexão  mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimento este universo.” (p. 17)

“ encoraja um estilo de relacionamento quase independente dos lugares geográficos  (telecomunicação, telepresença)  e da coincidência dos tempos comunicação assíncrona.” (p.49)

“As inúmeras vozes que ressoam no ciberespaço continuarão a se fazer ouvir e a gerar respostas.” (p. 15)

 

Portanto, para Lévy, a cibercultura está diretamente relacionada com as práticas, as atitudes, os modos de pensar, valores que se adquirem e desenvolvem por imersão num novo espaço virtual, o ciberespaço, que surge da ligação em rede de todos os computadores, através da internet. O ciberespaço está em constante crescimento, pois todos os dias há mais indivíduos a ligarem-se à rede, onde colocam mais e mais informação. Assim, a inteligência coletiva é “um dos principais motores da cibercultura” (1999, p. 28), sendo, simultaneamente, considerada um “veneno”, por aqueles que não se retratam nesta cultura, e um remédio, por aqueles que a ela conseguem aceder, controlando as suas submersões”. A construção de uma inteligência coletiva é possível graças ao lugar que tecnologias têm no nosso dia-a-dia. A interatividade possível no ciberespaço será o potencializador da construção da inteligência coletiva e, consequentemente, do ciberespaço.

 

Tal como Lévy, considero o ciberespaço infinito, pelo menos no sentido humano, uma vez que será humanamente impossível viajar por todos os hiperdocumentos existentes, interagir com todos os habitantes deste mar.

Contudo, Lévy vê cada habitante deste mar como o único navegante da sua própria Arca de Noé, sendo que o mar estará inundado de navegantes. Eu vejo cada uma dessas Arcas de Noé com vários habitantes. As relações humanas, digamos, reais, não estabelecidas através do virtual, existem e são intrínsecas ao ser humano, portanto, aquilo que cada um leva para a “sua” Arca não corresponde apenas à sua realidade, é resultado das vivências que ele tem dentro de um grupo muito mais pequeno do que aquele que constitui o ciberespaço. Ora isso corresponde à sua cultura, que é partilhada por outros fora do ciberespaço e também por outros dentro do ciberespaço, em diferentes níveis.

Lévy fala apenas de cibercultura, eu falaria em ciberculturas, ou de pelo menos, diferentes níveis de cibercultura, uma vez que o nível de apropriação e aplicação das práticas, valores, conhecimentos subjacentes à cibercultura é diferente, e passo a explicar recorrendo a três exemplos de práticas habituais daqueles que estão imersos nesta cibercultura.

Sentindo-me habitante deste mar, tenho consciência de que existem outros habitantes mais imersos nele do que eu. Por exemplo, para mim, tal como fiz para iniciar esta postagem, é recorrente utilizar motores de busca e dicionários on-line para me auxiliarem na compreensão de conceitos, em detrimento dos dicionários impressos. A procura é muito mais rápida! Contudo, não sou nada fluente na utilização de hashtags, tal como outros utilizadores de algumas redes sociais, tais como Twitter, Instagram, Facebook. E um último exemplo, a criação e o cultivo de um blog, algo que para mim, há um mês, era impensável ser capaz de fazer.

Isto porquê? Porque no meu ciclo de interações cibernéticas, ciclo de amizades e ciclo profissional, estas aptidões não são colocadas em prática, mas existem outros grupos nos quais essas práticas são habituais.

Para mim as arcas estão todas interligadas, e tal como a informação no ciberespaço, os navegantes podem saltar de arca em arca, pertencendo a diferentes ciberculturas.

Claro que seria complexo, ou mesmo impossível, categorizar essas diferentes ciberculturas. Mas isso seria outro assunto.

 

 

Concluo, referindo que a reflexão que o autor nos propõe relativamente aos caminhos que a humanidade poderá seguir, com especial foco para a aprendizagem com recurso às novas tecnologias e enfatizando a aprendizagem ao longo da vida, é deverás aliciante, uma vez que o ciberespaço abre portas para essas novas formas de aprendizagem e que implica a rutura com alguns dos paradigmas existentes.


Referências:

Fronteiras do Pensamento. (2013, 5 de maio). Pierre Lévy - O que é o Virtual?. [Vídeo]. Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=sMyokl6YJ5U&feature=youtu.be

 Lévy, P. (1999). Cibercultura. Editora 34.


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